O encontro de Tracey Emin e Edvard Munch em exposição na Royal Academy

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Com obras dos dois artistas, “The Loneliness of the Soul” traduz a capacidade de Emin em evocar o sofrimento, totalmente expressa neste par visceral com o pintor norueguês

Tracey Emin fez a curadoria de uma pequena mas poderosa exposição, com uma seleção de pinturas de seu artista favorito – o expressionista norueguês Edvard Munch – exibida na Royal Academy of Arts, junto com uma seleção de suas próprias pinturas, neons e esculturas. Intitulada “The Loneliness of the Soul”, a exposição será exibida até 28 de janeiro de 2021.

A princípio, essa combinação de uma artista mulher nascida na cidade litorânea britânica de Margate, que alcançou notoriedade na década de 1990 por sua tenda bordada com os nomes de todas as pessoas com quem ela dormiu, com um pintor norueguês dos anos 1900, famoso por seu imagem icônica ‘The Scream’, parece improvável. Ainda assim, a mostra deixa claro as semelhanças estéticas e a linha artística entre os dois. Apesar de nascidos em séculos e locais distintos, com gêneros diferentes, Emin e Munch estão unidos pela capacidade de capturar o sofrimento e a solidão em suas obras e, na sua sensibilidade, os aspectos mais difíceis da condição humana.

Tracey Emin’s The only place you came to me was in my sleep, 2017, on display at the Royal Academy. Photograph: © David Parry

Tracey Emin, The only place you came to me was in my sleep, 2017, na Royal Academy. Fotografia © David Parry

As histórias pessoais de Emin e Munch são carregadas de infortúnios e tragédias, com a solidão de ambos refletida no título da exposição da Royal Academy. The Loneliness of the Soul tem algo de melancólico, assim como a exposição, que coincidiu com a descoberta recente de Emin a respeito de um câncer de bexiga. Emin foi confrontada de forma brutal com sua própria mortalidade, o que torna suas pinturas ainda mais prescientes e, embora tenham sido pintadas antes de seu diagnóstico de câncer, parecem ter sido tristemente proféticas com a tinta vermelho sangue e seus autorretratos devastadores.

Emin confessa ser obcecada por Munch desde que o descobriu, por volta dos 15 anos, quando era fã de David Bowie e admirava a arte da capa de seus álbuns ‘Heroes’ e ‘Lodger’, inspirados em Egon Schiele. Seu interesse por Schiele a levou a uma livraria em Margate, onde encontrou um livro sobre expressionismo, com obras de Schiele e de seus colegas Oskar Kokoschka e Edvard Munch.

Foi Munch quem realmente capturou sua imaginação e, em 1998, quando estudava no Maidstone College of Art, fez várias xilogravuras inspiradas na paleta de cores do artista. Mais tarde, em 1998, Emin viajou a Oslo para filmar um programa de TV na casa de campo de Munch. Ainda na cidade, fez um vídeo de si mesma, chorando, em uma manifestação da dor sentida por conta de um aborto espontâneo recente que ela havia sofrido. Ela intitulou o trabalho em vídeo ‘Homage to Edward Munch and all my dead children’. Com base neste episódio, pode-se fazer a conexão entre o filme de Emin e a pintura de Munch “Crouching Nude” (1917-19), que é apresentada no programa RA .

Edvard Munch ‘Crouching Nude’ (1917-19) Photography by Lee Sharrock

Edvard Munch ‘Crouching Nude’ (1917-19) Photography by Lee Sharrock

Tendo conquistado uma carreira de sucesso como comunicadora magistral da angústia, capaz de expressar seus medos e traumas mais íntimos por meio de sua arte, o que Emin tem em comum com Munch é a capacidade de usar a arte como um receptáculo da condição humana. Ambos os artistas exploram os territórios obscuros da psique e navegam nas águas agitadas da emoção crua em seu trabalho. Apropriadamente intitulada “The Loneliness of the Soul”, a exposição da Royal Academy apresenta mais de 25 das obras de Emin escolhidas pela própria artista, para serem exibidas ao lado de sua própria curadoria de 19 pinturas a óleo e aquarela da coleção e arquivos de Munch em Oslo, Noruega.

Edvard Munch foi o pioneiro do expressionismo, mais conhecido por sua pintura “O grito”. No entanto, na exposição RA não há menção à obra, já que Emin preferiu selecionar os nus de Munch e justapô-los aos seus próprios autorretratos nus. Exibidos um ao lado do outro, Emin e Munch têm muito mais em comum do que pareceria quando se ouve falar deles. A paleta sombria de Emin apresenta principalmente tons de vermelho sangue, cinzas, marrons e preto, e pode ser vista como influenciada pelos tons suaves de Munch.

O neon ‘More Solitude’ (2014) transmite uma forte sensação de solidão, através de apenas duas simples palavras. Ele é tão eficaz em comunicar a condição humana com palavras quanto “O Grito”, através da tinta. ‘More Solitude’ assume múltiplos significados na esteira da pandemia, pois se tivesse sido criado mais recentemente, poderia se referir ao isolamento imposto pelo lockdown ou à necessidade de mais tempo sozinho.

Tracey Emin 'It - didnt stop - I didnt stop' (2019) © HV-studio Courtesy the Artist and Xavier Hufkens, Brussels

Tracey Emin ‘It – didnt stop – I didnt stop’ (2019) © HV-studio Courtesy the Artist and Xavier Hufkens, Brussels

‘It – didn’t stop – I didn’t stop’ (2019) é uma pintura de um corpo nu com uma paleta de preto, branco e vermelho sangue, criada por Emin em 2019, que pode referir-se a estupro ou aborto espontâneo. Sua justaposição à “Crouching Nude” (1917-19), de Munch, demonstra como ele influenciou Emin: a semelhança de pose nas pinturas e como sua interpretação ecoa a figura de Munch, com uma mulher que está ao mesmo tempo exposta em sua nudez, mas desafiadora em seu ousado olhar de confronto.

A exposição visceral é vital para qualquer pessoa interessada em como capturar a condição humana em uma obra de arte, fornecendo uma aula de arte para expressar o funcionamento interno da alma por meio da arte. Com esta exposição, Emin carrega a batuta da artista-existencialista de um século para o outro. A esperança é que ela vença o câncer e continue a iluminar o mundo da arte com seu exame particular da psique humana.

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