Takashi Murakami | Artista do Mês | Novembro de 2018

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O multifacetado Murakami criou seu próprio movimento, o Superflat, desafiando os conceitos do que é arte e de como o consumismo interfere diretamente nestas questões

Conhecido por suas obras brilhantemente coloridas e maniacamente alegres, a ascensão astronômica de Takashi Murakami à fama no mundo da arte contemporânea foi recebida com partes iguais de celebração e crítica. Murakami mescla referências da cultura pop japonesa com o rico legado artístico do país, eliminando efetivamente qualquer distinção entre mercadoria e arte. Ele é comparado a Andy Warhol por sua abordagem de arte-como-negócio, assim como pelos trabalhadores que produzem, comercializam e vendem sua arte.

Seus críticos o ridicularizaram como um vendedor e jogador, que vai de encontro às crescentes demandas do mercado de arte com uma arte japonesa exótica e facilmente consumível. Mas, para Murakami, isso é um elogio e exatamente o que ele pretende. Seu trabalho inspira-se na subcultura japonesa de otaku, repleta de estranhas perversões de fofura e inocência, além de incrível violência. Com isso, Murakami traça uma crítica sutil da cultura contemporânea do Japão, bem como da influência intrusa do Ocidente sobre ela.

Takashi Murakami
Flower Matango (d), 2009
Oil paint, acrylic, fiberglass and iron
Overall: 124 × 103 9/16 × 80 1/2 in. (315 × 263 × 204.4 cm)
©2009 Takashi Murakami/Kaikai Kiki Co., Ltd. All Rights Reserved. Courtesy Perrotin
Takashi Murakami
Cosmos, 2003
Hand silk-screened wallpaper
Dimensions variable
Sheet: 45 1/4 × 60 1/4 in. (114.94 × 153.04 cm), twenty sheet set
©2003 Takashi Murakami/Kaikai Kiki Co., Ltd. All Rights Reserved.
(Background Wallpaper)

Ideias-chave

Esculturas de personagens inspiradas em anime, com seios voluptuosos lançando fluxos de leite como um jato, personagens de desenhos animados excessivamente alegres com dentes afiados e pinturas repugnantemente fofas de margaridas sorridentes são estilística e tematicamente baseadas no envolvimento inicial de Murakami com a subcultura japonesa de otaku – um grande grupo de geeks fanáticos obcecados com os mundos de fantasia retratados em anime (desenhos animados) e mangá (quadrinhos), e o conceito de kawaii (todas as coisas “fofas”). Em sua juventude, Murakami mergulhou nesse mundo e, como artista, começou a desenhar inspiração estilística e a apresentar aos espectadores uma postura cínica e distante.

Desafiando o mundo da arte dominado pelo ocidente, Murakami criou seu próprio movimento chamado Superflat. O nome refere-se tanto às composições achatadas que careciam de uma perspectiva pontual de movimentos artísticos históricos japoneses como o Nihonga, quanto ao achatamento (ou fusão) da arte e do comércio. Superflat é a forma de Murakami reunir a história do Japão com a cultura pop contemporânea. A estética brilhante e fácil para os olhos atraiu imediatamente uma ampla audiência para o trabalho do artista. No entanto, os críticos ridicularizaram o Superflat como uma caricatura e distorção do Japão moderno. Independentemente disso, o Superflat inspirou toda uma geração de arte contemporânea japonesa.

Seguindo a trilha de Andy Warhol e sua produção, Murakami desenvolveu uma nova forma de Pop Art, apropriadamente intitulada Neo-Pop, onde a linha entre cultura pop e alta arte não é simplesmente borrada, mas completamente obliterada. O Neo-Pop de Murakami parodia a cultura japonesa de consumo do pós-guerra, “sampleando” e “remixando” seus temas e personagens dentro do reino da arte. As fábricas de Murakami produzem uma arte que é vendida por milhões de dólares, juntamente com bugigangas baratas que são vendidas por apenas alguns dólares. A esse respeito, Murakami quebra a ilusão de elitismo e superioridade do mundo da arte, simultaneamente se beneficiando economicamente. Sua colaboração com a Louis Vuitton destruiu ainda mais a linha entre arte e comércio, enquanto a ampla disponibilidade de suas bugigangas permite que qualquer pessoa possua uma peça de Murakami.

O trabalho de Murakami deve ser entendido como uma crítica profunda à intervenção ocidental. O artista foi criado por pais que sofreram os bombardeios nucleares devastadores em um Japão que enfrentava pesadas sanções e a presença militar permanente dos EUA. Seus escritos japoneses diferem amplamente de seus ensaios escritos em inglês e, neles, revela um profundo cinismo em relação ao Ocidente e ao mercado global da arte. Murakami considera a obsessão contemporânea do Japão por fofura, inocência juvenil, fetiche e violência como produto da intervenção norte-americana que começou com a bomba. Muitos acreditam que Murakami considera seu empurrão desta cultura para os EUA através de sua elevação de arte tão alta como uma forma de vingança.

Infância

Takashi Murakami nasceu em 1962. Seu pai era motorista de táxi e sua mãe, dona de casa. Foi ela, que havia aprendido sobre têxteis e bordados, quem teve uma influência enorme no interesse de Murakami pelas artes. Seus pais sempre o fizeram escrever resenhas sobre exposições que ele havia visitado e, quando se recusava, ia para cama sem jantar. Criado em um ambiente altamente competitivo, Murakami aprendeu a pensar e escrever rapidamente. Essas habilidades, em parte, contribuíram para a sua fama posterior como um crítico de arte mordaz.

Murakami cresceu ouvindo sua mãe lhe dizer que, se os EUA tivessem soltado outra bomba nuclear, ele não teria nascido. A onipresença da devastação e a presença americana no Japão nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial tiveram grande influência na evolução artística de Murakami. Durante a infância de Murakami, o Japão criou uma identidade nacional que reviveu a sua cultura tradicional e colocou uma enorme pressão sobre sua força de produção, a fim de competir com o Ocidente tanto economicamente, quanto culturalmente. Essa ênfase híbrida na cultura tradicional japonesa e nas influências ocidentais refletiu-se nas atividades de infância de Murakami, que iam desde a participação em rituais budistas e cursos de caligrafia japonesa até exposições de museus de artistas como Renoir e Goya.

Embora tenha desenvolvido desde cedo uma apreciação pela cultura tradicional japonesa e também pela arte européia moderna, a animação japonesa teve o impacto mais significativo sobre ele durante sua formação na adolescência. Isso explica o porquê de uma grande parte de suas obras ser dedicada ao público otaku, uma subcultura obcecada por imagens apocalípticas e fetichistas. Esses motivos recorrentes em anime e mangá coincidem com a incapacidade dos seguidores otakus, ou talvez a recusa, em interagir no mundo real ou aplicar habilidades sociais. O próprio Murakami liga a subcultura otaku diretamente à sociedade japonesa pós-Segunda Guerra Mundial.

Primeiros trabalhos

Inicialmente interessado em estudar backgrounds para animações, em 1980 Murakami se matriculou em Nihonga (um estilo de pintura tradicional japonesa que se baseia em elementos da arte ocidental) na prestigiosa Universidade Nacional de Belas Artes e Música de Tóquio, onde concluiu seu mestrado (1988) e Doutorado (1993). Enquanto estudava as antigas técnicas na universidade, também aprendeu a produção de animação fora da escola e ampliou seu conhecimento de arte contemporânea através de visitação de exposições.

Em 1984, um encontro inspirador – ainda que irritante – com Joseph Beuys provou ser um momento decisivo na carreira artística de Murakami. Durante uma discussão em sala de aula, Beuys ignorou várias das perguntas dos alunos, dizendo: “as perguntas não têm significado. Eu gostaria de uma pergunta mais significativa”. A atitude desdenhosa de Beuys incomodou Murakami, enquanto o famoso artista ficou frustrado por considerar desinformados os estudantes japoneses de arte. Como resultado, em seu sétimo ano na escola, Murakami começou a refletir sua atitude profundamente crítica em relação ao mercado de arte ocidental.

Detalhe de Polyrhythm (1991), de Murakami

Detalhe de Polyrhythm (1991), de Murakami

Os primeiros trabalhos de Murakami refletem as realidades com as quais ele cresceu, explorando o complexo relacionamento entre o Japão e os EUA depois da Segunda Guerra Mundial. Como exemplos, temos Polyrhythm (1991), que usa soldados plásticos da Segunda Guerra Mundial, e Sea Breeze (1992), que faz referência à bomba atômica. Estas obras demonstram seu desenvolvimento inicial de um estilo lúdico e aparentemente leve, que sempre se refere a uma postura mais cínica.

Período Maduro

Em 1994, Murakami viajou para Nova York para participar do P.S.1 Contemporary Art Center’s International Studio Program com uma bolsa do Conselho Cultural da Ásia. Isolado e bastante infeliz em Nova York, Murakami estava cercado pelas pressões do mercado de arte americano e do sistema de galerias. Lá, percebeu que, para ter sucesso neste mundo, ele tinha que abandonar suas preocupações japonesas excessivamente intelectuais e apresentar uma marca mais simplificada de si mesmo e de sua arte como quintessencialmente japonesa.

Mr. DOB

Mr. DOB

Isso representou um ponto de ruptura radical em sua carreira. Antes disso, seu trabalho se concentrou em uma tendência global à arte contemporânea, mas foi durante essa visita que ele decidiu voltar a se envolver com sua identidade japonesa e fortalecer o envolvimento de seu trabalho tanto com a alta forma de arte do nihonga quanto com o anime e o mangá, mais populares.

Na véspera de sua partida de Nova York, enquanto jogava um jogo de palavras tarde da noite com amigos usando palavras sem sentido como “dobozite” (uma palavra de mangá que significa “por quê?”), Murakami apresentou a figura Mr. DOB, que viria a se tornar personagem assinatura do artista em toda a sua diversificada matriz de mídia artística. Os infláveis em forma de Mr. DOB foram mostrados pela primeira vez em Nova York na Angel Orensanz Foundation em 1995, mas não receberam nenhuma atenção crítica significativa. Em 1996, ele foi incluído em uma exposição coletiva na galeria Feature. Esta exposição marca o começo de sua aclamação internacional e fama. Murakami continuou a projetar uma série de grandes esculturas inspiradas na subcultura otaku na segunda metade dos anos noventa, incluindo Miss ko2 (1996-1997), Hiropon (1997) e My Lonesome Cowboy (1998). Os empréstimos liberais de Murakami da cultura popular japonesa eram muito comparáveis às apropriações dos quadrinhos de Roy Lichtenstein e Andy Warhol.

DOB in the Strange Forest (Blue DOB), 1999

DOB in the Strange Forest (Blue DOB), 1999

Para produzir suas esculturas de inspiração otaku, em 1996 Murakami fundou a Hiropon Factory. Como grande parte das obras de Murakami, sua fábrica é inspirada tanto nas oficinas de arte tradicionais japonesas, quanto as que produziram as xilogravuras coloridas do período Edo, bem como na Fábrica de Andy Warhol. Na Hiropon, assistentes treinados em várias áreas de especialização colaboram sob a supervisão do artista para projetos de grande escala e comercializados em massa.

Em 2001, a Hiropon Factory evoluiu para a Kaikai Kiki Co., uma corporação altamente organizada que emprega cerca de 50 pessoas em sua sede em Tóquio e 20 em seu escritório e estúdio em Nova York. Além de produzir e comercializar as obras de Murakami, a corporação promove novos artistas; realiza feiras de arte, organiza projetos colaborativos com pessoas físicas e jurídicas de moda, música e entretenimento, além de desenvolver vídeos e filmes animados. A Kaikai Kiki representa uma mudança na produção de obras de arte modernas, onde arte e comércio são perfeitamente integrados, e onde a mão física do artista na criação da obra de arte não determina mais o valor financeiro, mas sim o valor simbólico criado através da associação do artista com as mercadorias de arte produzidas em sua fábrica.

Em 2000, em busca de uma identidade japonesa do pós-guerra e de uma frustração da indiferença de seus compatriotas com a arte contemporânea japonesa, Murakami apresentou a teoria de Superflat em uma exposição coletiva de mesmo nome. A exposição contou com as suas próprias obras, bem como as de Yoshitomo Nara, Shigeyoshi Ohi, Aya Takano e outros. A teoria do Superflat logo se espalhou pelo mundo da arte contemporânea, tornando-se um marco na arte contemporânea japonesa, o mais recente estilo para alcançar aclamação internacional no mundo da arte desde o grupo japonês Gutai, da década de 1950.

O ensaio histórico de Murakami, “A Theory of Super Flat Japanese Art” (2000) é a expressão definitiva de seu desprezo pelo mundo da arte. Lá, ele articula o desejo de produzir uma forma de arte exclusivamente japonesa que esteja diretamente relacionada à longa sombra do trauma do Japão após a derrota humilhante da Segunda Guerra Mundial. Este ensaio procura extrair a própria medula da cultura japonesa do pós-guerra, a fim de utilizá-la como uma filosofia fundamental para suas obras de arte.

Como afirma o escritor Pico Iyer, Murakami “é um cronista realista da fuga do real. Assim como Andy Warhol decidiu dar à América moderna exatamente o excesso de produção em massa e celebridade de massa e parecia tão decidido, com uma vingança, Murakami ofereceu ao Japão precisamente as imagens que o país ama, com seu gosto pelo kawaii e as formas desviantes amadas pelos otakus”. A versão japonesa deste ensaio demonstra um antiamericanismo mordaz, enquanto suas traduções em inglês se concentram mais na evolução estilística de suas obras. Em ambas as versões, no entanto, Murakami explica o conceito de, como ele descreve, “Superflatness é um conceito original do japonês, que foi completamente ocidentalizado”.

Coleção de Murakami para a Louis Vuiton

Coleção de Murakami para a Louis Vuiton

Prática atual

Desde a fundação da Hiropon Factory, os projetos de Murakami foram mais comercializados e exploraram meios artísticos não convencionais, incluindo moda, música, entretenimento, instalações públicas, animação e filmes. Essa mudança entre os papéis revela a ambição de Murakami de redefinir o que um artista internacional pós-moderno pode ser.

Em 2002, a convite do designer Marc Jacobs, Murakami iniciou uma parceira de longa duração com grife Louis Vuitton. Sem perder sua identidade no projeto de LV, Murakami foi capaz de ajustar a marca para incorporar sua própria estética única. Por exemplo, ele combinou o monograma LV com seus próprios olhos de água-viva tão característicos ou sobreimplantou o monograma com suas cerejas de desenho animado. Essa colaboração tornou Murakami amplamente conhecido por ofuscar ainda mais as fronteiras comerciais, elevou seu status de celebridade em seu país de origem e elevou o valor econômico de sua arte a algo que é altamente valorizado entre colecionadores (principalmente ocidentais).

Sua fama no mundo da moda varreu a indústria da música pop também. Em 2007, Murakami projetou o personagem Dropout Bear para o álbum Graduation, do cantor Kanye West, e dirigiu um vídeo animado para a música de West, “Good Morning”. Seus colecionadores no mundo da música pop incluem o super-músico sul-coreano G-Dragon e Pharrell Williams, que também estabeleceu parceria com Murakami em 2009 e 2014. Murakami depois “re-apropriou” esses projetos incorporando imagens idênticas em suas pinturas e esculturas para instituições de arte de prestígio ou colecionadores influentes.

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Legado

Murakami inspirou e orientou a geração de artistas japoneses que veio depois. Ele nomeou a si mesmo como o guru da geração kuriieita (criadora), os jovens adultos das duas “décadas perdidas” do Japão dos anos 1990 e 2000, que cresceram em uma sociedade em declínio. Para esses seguidores no Japão, ele declarou que estava em uma missão para enganar o Ocidente e destruir o sistema de arte japonês. Ele também é um mentor ativo de artistas japoneses emergentes, empregando-os em suas fábricas, curando exposições de seus trabalhos e escrevendo ensaios que contextualizam seu trabalho dentro do legado da arte moderna japonesa.

Os pupilos da Kaikai Kiki Co. incluem Chiho Aoshima, Chinatsu Ban, Akane Koide, Mahomi Kunikata, Rei Sato e Aya Takano, cuja forte presença no mundo artístico japonês define a paisagem da arte japonesa no século XXI. Apesar do choque de recepção entre suas obras de arte, alternando entre o desdém pesado e a celebração descarada, o Superflat passou a dominar a visão mundial da arte contemporânea japonesa.

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