Ai Weiwei ocupa a Oca com maior exposição já dedicada ao seu trabalho

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O artista chinês trabalhou com artesãos brasileiros para compor a mostra “Raiz”, que exibe obras inéditas ao lado de trabalhos consagrados

Texto de João Perassolo
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo

Os números impressionam. Setenta obras de arte pesando 500 toneladas, distribuídas em 8.000 m² de um dos maiores espaços expositivos do mundo. Cem pessoas trabalhando durante 21 dias na montagem da exposição, que foi gestada e produzida ao longo de sete anos, ao custo de R$ 10 milhões.

“Raiz”, que será aberta no sábado (20) na Oca, no parque Ibirapuera, em São Paulo, é a maior exposição já realizada no mundo pelo artista e dissidente chinês Ai Weiwei.

"Raiz", de Ai Weiwei

“Raiz”, de Ai Weiwei

Reúne trabalhos marcantes de sua carreira com outros tantos inéditos, produzidos no Brasil por artesãos que trabalharam em ateliês montados pelo próprio Weiwei em diferentes estados.

O resultado são obras que atestam o minucioso processo de produção de comunidades locais, a exemplo da série de 200 ex-votos talhados em Juazeiro do Norte (CE) a partir da iconografia do artista.

São pequenas esculturas de madeira que subvertem a sua função religiosa original para representar o dissidente destruindo a urna da dinastia Han —referência a um de seus trabalhos mais famosos—, tirando uma selfie ou mostrando o dedo do meio.

“Fazer uma exposição em uma cultura e terra tão fortes como o Brasil não é fácil. Requer um entendimento profundo da sociedade, do estilo de vida, da língua, da personalidade do povo e das condições políticas”, diz Weiwei em entrevista à Folha, dias antes da abertura da exposição.

Os preparativos da fase final da mostra trouxeram o artista cinco vezes para o Brasil nos últimos dois anos, mas o processo todo, iniciado em 2011, ficou um bom tempo suspenso porque Weiwei foi preso no aeroporto de Pequim naquele ano e só pôde deixar a China novamente em 2015, quando se mudou para Berlim.

Sobre o processo, conta que a cultura e a natureza brasileiras não lhe eram familiares. “Cresci no deserto de Gobi, com praticamente nenhum verde, só areia e rochas. E aqui é completamente o oposto.”

Embrenhado numa reserva ecológica exuberantemente verde próxima a Trancoso (BA), Weiwei se deparou com um pequi de 36 metros de altura. A árvore de 1.200 anos está morta, mas ainda assim em pé.

"Ex-votos"

“Ex-votos”

Resolveu montar andaimes em torno dela e moldá-la “com precisão de joia”, nas palavras do curador da mostra, Marcello Dantas, com o objetivo de gerar uma réplica perfeita. Para a empreitada, Weiwei requisitou a ajuda de 25 chineses para trabalhar com uma equipe de brasileiros.

O processo ganhou ares tropicais quando um dos funcionários de Weiwei foi picado por um enxame de abelhas e teve que retornar para a China para ser tratado. Depois disso, o artista colocou um Buda chinês milenar dentro da árvore —que é oca—, como uma forma de proteção espiritual. “Senti que havia tocado em algo profundamente relacionado àquela floresta”, diz.

Um documentário registrando a jornada do pequi poderá ser visto na Oca. Mas o molde da árvore, que, uma vez fundido em ferro na China pesará absurdas 250 toneladas, ainda não tem data —e talvez nem solo que aguente tanto peso— para ser exibido.

Weiwei diz não ter uma peça favorita entre as produzidas por aqui. “Digo com frequência que não gosto do meu trabalho, porque ele é inacabado. Todo o meu esforço é uma única obra, não há trabalhos finalizados. Mas esses trabalhos são parte de mim, o que significa que não devo gostar tanto assim de mim.”

É aparente o desprendimento do artista em relação à própria obra, dada sua entrega ao ofício. Ele diz que “quase morreu” no processo que resultou nas esculturas de “Two Figures” (duas figuras), moldes do corpo inteiro de Weiwei e de uma brasileira, porque teve que ficar oito horas embalsamado no gesso usado para tirar as formas, o que dificultava a sua respiração.

“Meu rosto ficou vermelho, e depois preto. Mas por que faço isso? Porque a alma tem que estar relacionada com as ações. Agir é mais importante, porque desafia a sua honestidade, não é algo falso. E prefiro lutar quando a minha vida está vulnerável”, diz o artista, conhecido internacionalmente por obras que expõem mazelas do Estado chinês.

Uma dessas é “Straight” (reto), que pela primeira vez é mostrada em sua forma completa. Trata-se de uma instalação feita com toneladas de vergalhões de aço recuperados dos escombros de escolas de Sichuan, na China, após o terremoto que abalou a cidade em 2008, matando 5.000 crianças. O número de óbitos e o nome das vítimas foram descobertos pelo artista e por seus assistentes —e nunca divulgado pelo governo.

Forever Bicycles, Ai Weiwei

Também estarão expostos outros trabalhos potentes, como “Forever Bicycles”, gigantesca escultura de bicicletas instalada do lado de fora do parque, na avenida Pedro Álvares Cabral, à vista do público; e “Sunflower Seeds”, composta de 100 milhões de sementes de girassol feitas de porcelana por uma comunidade de mulheres em Jingdezhen, no sul da China.

“Raiz”, primeira mostra dedicada a um único artista a ocupar toda a Oca, não usou a Lei Rouanet. Marcello Dantas, que também produz, conta que o projeto foi aprovado a captar recursos via incentivo fiscal e que procurou patrocinadores, mas estes quiseram saber mais sobre a exposição antes de investirem.

Só que Weiwei disse a Dantas que não passaria por qualquer tipo de chancela: ele teria liberdade total ou não faria.

A solução foi buscar colecionadores, que nas palavras de Dantas são “entendedores de arte” e tiveram “fé cega” ao apostar num projeto do qual pouco sabiam. Sete nomes financiaram as obras produzidas no país, que somam US$ 1 milhão (R$ 3,8 milhões), e terão preferência caso queiram adquirir os trabalhos.

Houve também aporte financeiro de quatro galerias do artista —a italiana Continua, a britânica Lisson, a alemã Neugerriemschneider e a brasileira ArtEEdições. O restante de recursos vem do próprio artista, da venda de objetos com estampas de Weiwei (um guarda-chuva com a mão mostrando o dedo do meio sairá a R$ 300), do catálogo da mostra e da Fundação Marcos Amaro. “Raiz” segue no ano que vem para o Rio de Janeiro e para Belo Horizonte.

 

AI WEIWEI RAIZ

  • Quando Ter. a sáb., das 11h às 20h; dom. e fer., das 11h às 19h. De 20/10 a 20/1/2019
  • Onde Oca – pq. Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº
  • Preço R$ 20 (ingressos vendidos com horário marcado)

‘RAIZ’ EM NÚMEROS

  • 70 obras aproximadamente estão expostas
  • 500 toneladas é o que pesam, juntos, todos os trabalhos
  • 8.000 m² é o espaço expositivo que ocupam na Oca
  • 24 obras foram produzidas no Brasil, em ateliês montados em três estados (São Paulo, Ceará e Bahia)
  • 100 pessoas trabalharam durante 21 dias na montagem
  • R$ 10 milhões foi o custo de produção da exposição

 

https://globoplay.globo.com/v/7084093/

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