Anselm Kiefer | Artista do Mês | Março/2016

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Frequentemente apontado pela crítica como um dos maiores nomes da arte contemporânea mundial, Anselm Kiefer é um pintor e escultor alemão. Nascido em 1945, durante os meses finais da II Guerra Mundial, teve sua vida caracterizada por uma identidade pós-guerra desde sempre. Filho de um professor de arte, Kiefer foi atraído pela arte e reconheceu-se um artista. Foi criado em um lar católico, na Floresta Negra, perto da margem oriental do Reno, um ambiente que desempenharia um papel formativo em seu desenvolvimento como artista, proporcionando as imagens e simbolismos para seu trabalho.

Suas telas monumentais, muitas vezes cheias de confronto, de estilo quase depressivo e destrutivo, foram inovadoras em um momento em que a pintura era considerada praticamente morta. Seu trabalho é caracterizado pela vontade inabalável de enfrentar o passado obscuro da cultura germânica e seu potencial não realizado, em obras geralmente de grandes formatos. Kiefer incorpora empasto e materiais incomuns em suas obras, como chumbo, aços de vidro, flores secas e feno, muitos dos quais fazem referência a vários aspectos históricos e mitológicos, tanto alemães quanto de outras culturas.

Em 1970 Kiefer mudou-se para Dusseldorf, onde estudou na Staatliche Kunstakademie e fez amizade com Joseph Beuys, que exerceria grande influência sobre ele, como um mentor e professor informal. O trabalho de Beuys, com materiais naturais inusitados e interesse pelo misticismo, influenciou fortemente a produção artística de Kiefer. Entrelaçando história, cultura, religião e mitos, Kiefer começou explorando figuras arquetípicas da história alemã em suas obras, assim como criou extensivamente pinturas texturizadas de paisagens estéreis, campos e florestas sombrias, que evocam cenas de campos de concentração e fazem alusão à natureza destruída da Alemanha pós-guerra. Seu trabalho incorpora plantas, palha, chumbo e outros materiais que refletem seu interesse pela alquimia, rituais e elementos da Terra.

Impressionado com o uso, por parte de Kiefer, de ironia para se referir ao passado da Alemanha, Beuys viu grande potencial no jovem artista e pediu-lhe para explorar a pintura. Kiefer trocou a fotografia por outros suportes e, como resultado, em 1971 ele criou sua primeira paisagem em grande formato.

Mais tarde, Kiefer também se aproximou de Georg Baselitz, que tornou-se o seu primeiro patrono e, durante um um determinado período, seu colaborador artístico. Em 1974 Baselitz comprou várias obras de Kiefer, permitindo com que ele pudesse continuar a se dedicar às suas séries iniciais – apesar de explorar temas tão provocativos.

Durante as décadas de 1970 e 1980, Kiefer viajou para fora da Alemanha, com inúmeras visitas à Europa, Estados Unidos e Oriente Médio. Estas experiências influenciaram grandemente a sua perspectiva e o seu trabalho, motivando uma mudança dos temas da historia alemã para temas mais amplos, relacionados ao papel da arte e da mitologia nos contextos sociais e religiosos.

O crítico cultural Andreas Huysse, em um ensaio de 1992, comentou sobre a recepção das obras de Kiefer durante estas, notando como o germanismo do artista era percebido de formas diferentes nos Estados Unidos e na Alemanha. Enquanto os americanos frequentemente entendiam Kiefer como sendo um lutador solitário contra a repressão do passado fascista da Alemanha, o Vergangenheitsbewältigung (“chegar a um acordo com o passado”) mantem-se um tema dominante na vida intelectual da Alemanha desde o início dos anos 1960. O trabalho de Kiefer, iniciado no fim daquela década, foi desenvolvido neste contexto. “Para os críticos alemães”, escreveu Huyssen, “a questão era mais como Kiefer lidava com este passado. Para eles, a estratégia deliberada de Kiefer em abrir a caixa de Pandora do imaginário fascista e nacionalista ascendeu a uma espécie de pecado original da era pós-Auschwitz”.

O Holocausto e o pós-guerra são temas recorrentes na produção de Kiefer, assim como a tentativa de reconciliação com um passado nebuloso da Alemanha, um tema tabu no país. Ainda em 1969, chamou a atenção da crítica com uma série de obras provocativas, intitulada “Besetzungen (Ocupações)”. Nela, Kiefer produzia autorretratos diante de lugares icônicos da Europa – como o Coliseu, em Roma, por exemplo – trajando um uniforme militar e fazendo uma saudação nazista.

Sobre o legado da II Guerra Mundial, Kiefer disse certa vez: “Depois da ‘calamidade’, como nós a nomeamos eufemisticamente agora, as pessoas pensavam que em 1945 estávamos começando tudo de novo… É um absurdo. O passado foi colocado sob um tabu e desenterrá-lo gera resistência e desgosto”. Para ele, compreender a história começa com a sua invocação, resgate e exploração.

Suas pinturas foram se tornando cada vez maiores, com adição de chumbo, vidro quebrado e flores ou plantas secas. Suas superfícies incrustadas, com espessas camadas de empasto, são evocações físicas dos sedimentos do tempo e dos significados que eles transmitem.

Kiefer é um ávido leitor e profundamente interessado em como a literatura e a filosofia são produzidas e disseminadas. Desde a década de 1960, além das pinturas, desenhos e fotografias, ele criou uma série de livros do artista. Os primeiros exemplares são praticamente fotografias sobrescritas; já seus livros mais recentes consistem em olhas de chumbo sobrepostas com os típicos materiais usados por ele (tinta, minérios ou plantas secas). Pesado, porém flexível, o chumbo tem sido usado por Kiefer ao longo de sua careira, por suas varias conotações alquímicas e deletérias.

Em 1992 Kiefer se mudou para Barjac, na França, e entre 1995 e 2001 trabalhou em uma série abstrata baseada no cosmos, ampliando o seu repertório de temas – que abandonaram em parte a contemplação do passado para se concentrar em temas universais. Ao mesmo tempo, renovou seu interesse de longa data pela escultura e pela escrita, criando uma série baseada no poeta futurista russo Velimir Khlebnikov e revisitando o trabalho do poeta romeno Paul Celan, cujos textos se repetem em toda a obra de Kiefer. Em 2008 ele se muda para Paris.

Suas pinturas recentes têm escalas monumentais e são fortemente texturizadas, muitas vezes comparadas ao expressionismo abstrato de Jackson Pollock. As composições únicas e densas de Kiefer refletem uma poderosa síntese de ideias – abrangendo historia, cultura, natureza, religião, realidade cotidiana e crença universal.

Sempre oscilando entre os limites da abstração e figuração, Kiefer usa um estilo psicológico e distintamente poético para transmitir questões sociais e politicas, abandonando a estética fria do Minimalismo e da Arte Conceitual em favor de uma linguagem visual mais sugestiva, artística e moralista. Ao lado de seus contemporâneos Georg Baselitz, Sigmar Polke e Gerhard Richter, ele conseguiu trazer questões sociais para a vanguarda das discussões contemporâneas, forçando os alemães a prestar contas com seu terrível passado.

Em reconhecimento de seu trabalho, Kiefer recebeu inúmeras premiaçãos. O Wolf Prize veio em 1990 e em 1999 a Japan Art Association concedeu a ele o Praemium Imperiale. Em 2008, Kiefer foi agraciado com o Peace Prize oh the German Book Trade, dado pela primeira vez a um artista visual. E durante a 47ª edição da Bienal de Veneza, Kiefer foi o escolhido pelo júri para receber o International Prize.

Em um leilão na Christie’s, em 2011, foi estabelecido um novo recorde mundial de vendas para o artista, quando a obra “To the Unknown Painter” (1983) foi vendida para um colecionador provado por US$ 3,6 milhões.

Julian Schnabel

Dem Unbekannten Maler (To the Unknown Painter), 1983. Óleo, emulsão, seladora, látex e palha sobre tela, 189,9 x 260,4 cm

Conforme bem resumiu o jornal inglês The Guardian, por ocasião da exposição na Royal Academy, “Kiefer é o mais resoluto dos artistas. Ele nunca se afastou do difícil e do sombrio; sua carreira é uma magnífica reprimenda para aqueles que pensam que a arte não pode lidar com os grandes temas, como história, memória e genocídio. No final, porém, o que fica com o espectador é o sentimento – esmagador, por vezes – que ele está sempre fazendo o seu caminho cuidadosamente em direção à luz”.

Kiefer vive e trabalha na França e é representado pelas galerias Yvon Lambert (Paris), Gagosian (Nova York), White Cube (Londres) e Thaddaeus Ropac (Paris e Salzburgo).

A tela “Margarete (1981)”, de Anselm Kiefer

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – Osiris and Isis (Osiris und Isis), 1985-87

Julian Schnabel

Urd, Verdandi, Skuld (The Norns) -1983
Urd, Werdandi, Skuld (Die Nornen)

Julian Schnabel

The Hierarchy of the Angels (Die Ordnung der Engel), 2000
Oil, emulsion, shellac, and linen clothes on canvas
950 x 510 cm

Julian Schnabel

Julian Schnabel

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – Operation Sea Lion (Unternehmen Seelowe), 1975

Julian Schnabel

A tela “Margarete (1981)”, de Anselm Kiefer

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – Winter Landscape (Winterlandschaft), 1970

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – Black Flakes (Schwarze Flocken), 2006

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – The Orders of the Night (Die Orden der Nacht), 1996

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – Heroic Symbol V (Heroisches Sinnbild V), 1970

Julian Schnabel

Anselm Kiefer – Palette on a Rope (Palette am Seil), 1977

 

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