Pintura histórica de Canaletto alcança valor recorde em leilão e reafirma o prestígio da veduta veneziana no colecionismo europeu
Em uma noite memorável para o mercado de Old Masters, a Christie’s consagrou Canaletto como protagonista absoluto com a venda da obra Venice, the Return of the Bucintoro on Ascension Day, por impressionantes £31,9 milhões. O valor superou a estimativa máxima de £20 milhões e marcou o novo recorde para o artista veneziano.
A pintura, datada de cerca de 1732, retrata com brilho e precisão a cerimônia do Sposalizio del Mare, quando o Doge lançava um anel no mar para simbolizar o casamento de Veneza com seu domínio marítimo. A embarcação Bucintoro surge gloriosa no coração do Bacino di San Marco, em meio a uma composição vibrante de luz, arquitetura e festa popular. Com impressionante grau de conservação, a obra ainda preserva o impasto original em detalhes como sombrinhas, vestimentas e reflexos nas águas da lagoa.
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Sua história é igualmente rica: o quadro pertenceu ao primeiro-ministro britânico Sir Robert Walpole e foi exibido em Downing Street já em 1736, conforme nova documentação revelada. Após passar pelas mãos do financista Samson Gideon, tornou-se parte essencial da coleção do Belvedere House, sempre associado a uma elite política que via em Veneza o espelho idealizado da monarquia constitucional britânica.
Uma obra-prima de técnica e narrativa com procedência impecável
Mais do que um marco visual, a pintura é também um exemplo técnico da genialidade de Canaletto. Seu domínio da perspectiva, uso de câmera obscura e ajustes inventivos para composições mais dramáticas revelam uma arte meticulosamente arquitetada. Estudos preservados no Cagnola Sketchbook demonstram como seus “scaraboti” (esboços) serviram de base para organizar a complexa coreografia visual de cenas como esta.
A simbologia política da obra não passou despercebida: ao retratar o Doge em um ritual de poder contido e civilizado, Canaletto oferecia aos Whigs britânicos uma imagem de estabilidade, ordem e progresso. Essa leitura explica o intenso interesse de famílias como Devonshire, Bedford e Richmond por adquirir obras semelhantes, consolidando a imagem da Veneza ilustrada no coração da aristocracia inglesa.
A venda histórica da Christie’s não apenas consagra uma obra-prima, mas reafirma o poder da procedência, da narrativa histórica e do contexto político no valor de mercado das artes. Em um momento de questionamento do futuro do colecionismo, Canaletto surge como um lembrete eloquente da importância duradoura da tradição, da técnica e do simbolismo nas grandes coleções.